Despesas fixas e unhas… corte sempre

1 de novembro de 2011
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É, gestor, num primeiro momento a frase acima soa estranha, até cruel. E vindo de um gestor financeiro ela suscita críticas ferrenhas da turma do crescimento, da inovação e do social. Já defendi em artigos anteriores que o maior tempo dos gestores deve ser investido nas decisões que envolvem qualidade do produto, eficiência operacional e crescimento de vendas. São essas variáveis que definirão a conquista dos clientes, a capacidade de competitividade e a criação de valor para o acionista.

 

Antes de discutirmos as despesas fixas, vamos ter certeza de que você sabe a diferença entre despesa, custo, gasto, investimento, etc.

 

Em primeiro lugar, tenha em mente que tudo começa sendo um Gasto – sacrifício financeiro – que implica na entrega ou promessa de entrega de ativos (bens e direitos). O gasto pode virar um investimento ou ser consumido como uma despesa, um custo ou uma perda.

 

O Investimento é um gasto que gerará benefícios durante uma vida útil e se tornará um ativo no balanço da empresa. Depois, vai virar despesa ou custo à medida em que vai sendo usado.

 

O Custo é um gasto relativo a bem ou serviço utilizado na produção de outros bens e serviços. Já a Despesa é um bem ou serviço consumido para obtenção de receita e a Perda é um bem ou serviço consumido de forma anormal e involuntária.

 

As despesas dizem respeito ao sacrifício que a empresa faz para a obtenção de receitas. As despesas variáveis correspondem ao sacrifício de se fazer negócios (vendas de produtos, prestação de serviços, etc) enquanto que as despesas fixas, objeto desse artigo, dizem respeito ao custo de se estar no negócio, ou seja, seu montante não se altera num mês com vendas e produção recordes ou vendas e produção muito baixas. As despesas fixas normalmente incluem todas as despesas necessárias para a gestão da empresa e aí incluímos salários e encargos sociais, benefícios, despesas de aluguel, comunicação, utilidades, seguros, depreciação e serviços prestados por terceiros, por exemplo.

 

Por serem fixas durante um intervalo de tempo, as despesas acabam por impor um mínimo de margem (receita menos custo e despesas variáveis) necessária para que se cubram as despesas fixas e ainda se gere um lucro necessário para que o investimento seja remunerado.

 

É claro que quanto menor o nível de despesas fixas, desde que as funções de gestão sejam adequadamente desempenhadas, melhor para o negócio. Com menor necessidade de margem para cobrir os custos fixos, maior é a margem de segurança para aguentar crises econômicas, problemas de qualidade momentâneos, escassez de insumos, superestocagem do canal de vendas e até guerra de preços.

 

Despesas fixas menores fazem com que o ponto de equilíbrio (isto é, o volume de vendas onde o lucro é zero) seja mais baixo e você não precisa vender tanto para chegar ao equilíbrio.

 

Por outro lado, nas empresas com custos fixos altos as variações nas vendas provocam variação desproporcional no lucro. A teoria de finanças dá o nome de Alavancagem Operacional ao grau em que os custos fixos são utilizados nas operações de uma empresa.  Se uma alta parte dos custos e despesas totais de uma empresa são fixos, esta empresa apresenta um alto grau de alavancagem operacional. Isto é, tudo mais mantido constante, uma variação pequena nas vendas resultará em uma grande variação no lucro operacional.

 

Para os matemáticos, com despesas fixas baixas, a reta dos custos fica próxima do eixo X e o ponto de equilíbrio fica baixo e próximo do eixo Y, com ângulo entre a curva de receita e de custo total fechado. Com despesas fixas altas (alta alavancagem), a reta dos custos fixos é mais distante do eixo X, o ponto de equilíbrio é mais alto e distante do eixo Y e o ângulo entre as retas após o PE tem uma abertura maior.

 

Eu prefiro sempre ter a flexibilidade e a segurança de operar com despesas fixas mais baixas, principalmente no Brasil, onde a economia é famosa pelos “vôos de galinha” (baixo, curto e pouco eficiente).

 

Uma redução de despesas só pode ocorrer de três formas:

 

1- Pague mais barato;

2- Mude a forma que você gasta;

3- Use menos ou aumente a produtividade.

 

A melhor forma de manter as despesas fixas baixas é não aumentá-las, pois reduzi-las posteriormente é sempre mais difícil e doloroso. Como a maior parte das despesas fixas diz respeito a pessoas e tudo aquilo que vem com elas, salários, encargos, benefícios, infraestrutura, viagens e comunicação, resista sempre a pressão por mais pessoas. Tenha gente mais capacitada e motivada e, é claro, bem paga. Se possível, pague com uma parcela variável sobre os resultados, pois assim você terá gente disposta e capaz de fazer o trabalho com mais produtividade e entusiasmo, sendo recompensada por isso e evitando que você precise de mais gente. Aqui, menos é mais.

 

Uma segunda forma de reduzir as despesas fixas é sempre ter mecanismos periódicos de revisão e negociação com os fornecedores de serviços (alimentação, segurança, transporte, aluguel, energia elétrica, telecomunicação, etc.).  Divida suas despesas por tipo e eleja “champions” para cada uma delas. O “champion” é o responsável por, juntamente com a equipe de finanças, levantar tudo que se gasta naquela conta específica em toda a empresa, dividindo por usuário ou centro de custo, fornecedor, etc. Em seguida, junto com os principais usuários ele deve promover um “brainstorming” visando reduzir as despesas do item em pauta com:

 

– Menor uso (trocar a frota própria por frota alugada, por exemplo);

– Padronização de itens ou de fornecedor (material de escritório, utilidades, etc.);

– Formas alternativas para solução do problema (terceirização, toll manufacturing, etc.);

– Renegociar com os fornecedores atuais reduções de preço (com ajuda do pessoal de compras).

 

A utilização do “champion”, além de proporcionar uma visão abrangente de quanto e onde se gasta naquele item, evita os vícios eventualmente existentes no negociador tradicional e as acomodações no usuário do serviço que tem verdadeira aversão a mudanças e os riscos em termos da qualidade da prestação de serviço de seu departamento. Como subproduto, o processo dá visibilidade aos “champions”, pois suas sugestões e ações devem ser aprovadas pela diretoria para que sejam implementadas. Após a primeira rodada desse processo, tanto negociadores como principais usuários dos itens que causam as despesas, ficam mais vigilantes e em busca de soluções mais eficientes, pois o trabalho dos “champions” provoca aquela sensação que todos nós já tivemos: “Por que eu não pensei nisso antes?”.

 

É mais ou menos a mesma sensação que sentimos quando sua mãe, de surpresa, após vários pedidos para que cortemos as unhas, nos pega pela mão e faz ela mesma o serviço e ao mesmo tempo nos repreende dizendo… “se tivesse cortado quando eu pedi, você poderia agora estar brincando”. Gestor, mãe é uma só e unhas, assim como despesas, tem que ser cortadas sempre.

Clayton Nogueira é diretor financeiro para a America Latina da Valspar Corporation. Graduadoem Administração de Empresas com mestradoem Controladoria pela USP, MBAem Marketing pela ESPM-SP, conselheiro fiscal e de administração certificado pelo IBGC. É professor de Planejamento e Controle na FIAP e da FIA-USP, conselheiro fiscal da Abrafati e diretor vogal no IBEF-SP.

 

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