Criatividade na marra #2

21 de março de 2013
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Muitas vezes fico boba de quão facil é ser inovador se a gente realmente parar para ouvir, ou ao menos tentar se colocar no lugar das pessoas que gostamos de chamar de “nossos consumidores”.

É inevitável pensar nisto cada vez que reparo (e esbarro!) com um dos grandes fenômenos que só tenho presenciado em São Paulo.

Como pedestre diária (e múltipla) da Avenida Paulista, me deparo com muita frequência com aquelas pessoas de camisetas coloridas (designando a ONG ou empresa que representam) que se posicionam nas horas de pico para roubar ‘só dois minutinhos de seu tempo’  das centenas de pedestres que andam em massa apressados como cardumes de peixes coloridos, que se desviam automaticamente cada vez que um obstacúlo aparece no caminho.

Será que estas pessoas e as empresas e ONG’s para as quais elas trabalham ainda não se tocaram que essas centenas de pessoas andando pela Paulista não têm ‘só dois minutinhos’ para lhes conceder?

E que de longe já começam a planejar como vão se  esquivar desses desagradáveis obstáculos que ameaçam atrasar ainda mais sua já atrasada rotina. Se não são pais atrasados (e cansados) que têm que chegar em casa para atender seus filhos, são jovens igualmente atrasados (e cansados) para qualquer uma das múltiplas atividades que estes jovens de cidade têm nas suas complicadas agendas. O menos que essas centenas de pessoas querem fazer é parar para responder um questionário à la antiga (papel e caneta) que só o idealizador desse negócio sabe qual é a diferença que esses ‘dois minutinhos’ podem fazer neste caos diário que vivemos como sobreviventes nesta grande cidade.

E me lembrou de uma experiência que tive quando trabalhava em Sri Lanka e como algo tão simples como uma conversa com esse tal de consumidor me ajudou a criar uma ideia que na época e no lugar foi considerada muito inovadora. E na verdade nem foi com o consumidor mas com uma pessoa que tratava diariamente com esse consumidor que me interessava.

Lá estava eu trabalhando como gerente de produto de um leite em pó para crianças quando meu chefe me passou a bela tarefa de fazer uma promoção para dobrar as vendas de meu produto pelos próximos três meses (alguma outra marca não estava indo bem e me designaram para arquitetar o resgate de venda do trimestre).

Glup.

Bom, em primeiro lugar, eu já estava cansada de ter um produto que eu nem conhecia nem consumia, e que se posicionava como se tivesse um ingrediente mágico que de fato (até tinham testes que comprovavam) incrementava o QI das crianças. Nem eu, que gerenciava a marca, acreditava naquela promessa, muito menos os pediatras que tentávamos convencer para nos dar seu aval. Para piorar as coisas, naquela época eu também estava muito longe do mundo das crianças (e nem tinha interesse), então vai saber o que faria uma mãe comprar o dobro do nosso produto.

Mas esse era meu ponto de partida. A mãe que ia comprar o meu produto. E quem conheceria melhor essa tal de mãe que o pediatra que já não queria mais me receber no seu consultório? Não requer muito QI nem conhecimento de crianças, requer somente imaginar como é a rotina daquela mãe e assim cheguei na minha solução: a professora do jardim de infância onde iam os pequenos pimpolhos para os quais meu produto estava direcionado!

Fiz uma lista de escolas para visitar,  mas na verdade só precisei de uma visita para achar minha tal de ideia inovadora. Perguntei para a professora o que as crianças gostam de fazer e ela respondeu: “ah,  elas gostam muito desses ‘finger puppets’ que fazemos de papel e que usamos para acompanhar as canções como ‘Twinkle, twinkle little star.”

Bom,  não precisava ouvir mais, nem visitar mais escolas (discordo com a pesquisa quantitativa nesse ponto, um depoimento pode sim valer mais que mil entrevistas).

Próximo passo foi achar um fornecedor que pudesse fazer os finger puppets e brifar a agência. Em dois meses a promoção já tinha esgotado e o fornecedor (que era uma das muitas máquinas que fazem brinquedos de pelúcia para as grandes marcas internacionais) já tinha copiado a ideia e apresentado para seus vários clientes. Além de ouvir a verdadeira necessidade da mãe também tomamos o cuidado de levar em consideração que as mães Sri lankesas não conheciam o que era o ‘finger puppet’ – então, os comerciais cumpriam a função de mostrar a elas como utilizá-los.

Agora volto para esses seres bem intencionados que se posicionam como grandes e incômodos obstáculos pela Av Paulista em pleno horário de pico. Será que eles não repararam ainda que a única razão pela qual um pedestre para seu passo apressado é para comer algo ou para ouvir um dos músicos ou artistas que surpreendem e ajudam a esquecer um pouco o cansaço de seu final do dia? Não sei quantas vezes eu já senti tanta gratidão por um desses artistas de rua e ansiei não só por uns ‘dois minutinhos’ mas por um par de moedas pela mini explosão de felicidade que ele causou no meu cansado e estressado corpinho e cabecinha.

Então, a tal da solução ou inovação para estes seres que querem pegar os nossos dados é tão simples e óbvia (e olha só como eu generosamente estou dando de graça) amarre a mensagem que você quer transmitir com o trabalho de um desses artistas de rua. Você  faz duas coisas boas: apoia o trabalho desse artista e oferece uma mini explosão de felicidade para todas estas centenas de pessoas (não consumidores!) que passam diariamente por ai. E, por favor,  deixe o formulário de lado (não interrompa a música) –  só coloque uma placa pedindo para as pessoas deixarem seu cartão ou dados que precisem.

Nathalie Trutmann é diretora de inovação da FIAP e executa iniciativas que transformem a experiência dos estudantes. Lidera a parceria com a Singularity University e é autora do Manual para Jovens Sonhadores.

 

 

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