Por que precisamos de mais histórias reais de mulheres mais reais

1 de julho de 2013
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Recentemente, tenho me visto envolvida em várias conversas e eventos relacionados a mulheres e negócios. Começou com a honra que tive (junto a outras blogueiras do Mulheres Empreendedoras) de participar do DWEN (Dell Women’s Entrepreneur Network) em Nova Delhi. O objetivo deste evento anual é (como a blogueira do mesmo Blog, Elisabete, mencionou em um post) criar um movimento que ajude as mulheres empreendedoras a se conectar, a conhecer melhores práticas e acelerar seus negócios, já que no fundo a DELL acredita que pode ajudar a economia do mundo apoiando mais mulheres a liderarem negócios. E, como outra blogueira do Mulheres Empreendedoras, Carolina, mencionou para mim, o highlight do evento foi ter a oportunidade de conhecer alguém tão admirável como Lakshmi Pratury. A mulher brilhou no palco e foi tão autêntica que chorou e nos fez chorar ao contar o porquê de sua jornada, deixando uma posição de sucesso na Intel para ajudar a mudar as vidas das pessoas e a liderar a INK Conference. Ela compartilhou conosco as dúvidas que acossam-na frequentemente e a fazem acordar no meio da noite se perguntando: ‘por que é que estou fazendo isto?’ e onde ela encontra força para continuar lutando.

Logo no meu retorno ao Brasil, fiquei sabendo que teria um evento super exclusivo organizado pelo Tempo de Mulher e pela Dove intitulado “I Fórum de Mulheres Reais que Inspiram”.  Só precisaram me dizer que era só para convidadas para eu ficar imaginando alguma forma de conseguir participar. No final, por uma feliz coincidência, uma amiga era amiga de uma das organizadoras e consegui incluir meu nome na lista de convidadas.

O propósito foi celebrar o rol das mulheres na sociedade, e trouxeram destacadas mulheres internacionais como a Sra. Fawzia Koofi, membro do parlamento de Cabul, e a Sra Mina Ahadi, ativista iraniana, que estão trabalhando pelos direitos femininos, para mostrar o poderoso papel que essas mulheres estão fazendo nas suas sociedades.

Eu acho o máximo ter eventos apoiando o rol da mulher, mas confesso que  não consegui me identificar com o painel de Beleza e Bem-estar,  apesar de terem tocado nos já conhecidos e muito importantes temas da ditadura da beleza que todas nós,  mulheres,  sofremos e nos cobramos. O que falaram foi muito valioso e acertado, mas eu não consegui evitar sentir uma forte dissonância ao ouvir a atriz após 14 dias de ter dado à luz com uma cara e figura invejáveis, compartilhar como ela conseguiu finalmente se sentir bem na própria pele. Nada contra, porque entendo que no meio em que ela se movimenta a pressão é ainda maior do que para o resto de nós, simples mortais, que não precisamos encarar a câmera no nosso dia a dia. Mas, sendo uma dessas simples mortais que ainda sonha em algum dia alcançar os impossíveis estereótipos da mídia, me senti pequena, e pensei: “eu também teria me sentido muito bem na minha própria pele se tivesse me visto assim, tão bem, aos 14 dias depois de parir meu segundo filho”.

Infelizmente não consegui ficar para a sessão da tarde, já que tive que correr de volta para o escritório, conseguindo apenas engolir bem deselegantemente dois sanduichinhos do super bufê dentro do táxi, para chegar a tempo  de participar de uma conference call que já tinha agendado semanas atrás com a diretora do Center for Women’s Entrepreneurial Leadership (CWEL) da Babson College. O propósito era conhecer o que o CWEL está fazendo para motivar mais mulheres a serem líderes e empreendedoras. Chamou-me a atenção quando ela mencionou que o foco é tornar o campus mais ‘gender conscious’ e tentar ser uma referência em liderança de mulheres.

Quando comentei minha ideia de fazer uma compilação de histórias reais de mulheres reais, que realmente relatem o quanto é difícil ser mulher e profissional, ela se animou muito e me deu várias referências valiosas. O que eu falei foi que não me importo que a atriz esteja magra 14 dias depois de ter parido, mas gostaria ouvir como ela conseguiu isso. Morreu de fome, fez regime, ou simplesmente é abençoada com um set de gens invejáveis? Seu trabalho de atriz requer que ela se veja bem, e isso está ok. O que eu gostaria é saber a verdadeira história por detrás,  porque isso talvez me ajudaria a cobrar-me menos.

Susan Duffy, a diretora do CWEL da Babson, concordou e me indicou o melhor artigo que já li sobre os vários dilemas femininos – apareceu recentemente na revista The Atlantic e se chama “Why Women Still Can’t Have It All.” Nele, Anne-Marie Slaughter, uma mulher que conseguiu uma posição muito alta no governo americano e que hoje é professora em Princeton,  fala como nós, mulheres, precisamos parar de alimentar este mito (ou delírio?) de que podemos ser e ter tudo. De cara, ela faz uma provocação: as mulheres que conseguiram ser mães e profissionais top são super-humanas, super ricas ou donas de seus próprios negócios. Depois, passa a contar suas angústias como mãe e profissional, apesar de ter um marido que lhe deu a maior força, e como ela chegou à  conclusão que não precisamos continuar passando essa imagem irreal para as gerações de mulheres que estão por vir.

Do jeito que nossa sociedade funciona hoje, não dá para ter tudo. Além disso, o psiquismo da mulher é diferente do homem – no final do dia, ela vai se cobrar mais do que  ele por não estar com os filhos – é simplesmente a nossa natureza. A primeira impressão de um chefe que entrevista, para uma mesma vaga, uma mulher com dois filhos e um homem que corre maratonas é que o homem tem muito mais determinação e perseverança do que a mulher, já que nenhuma mídia promove as maratonas sobre-humanas que uma mãe corre diariamente antes e depois do seu trabalho.

Eu me identifiquei muito, especialmente nesta época de férias, quando as crianças ficam em casa e até os pais que têm babás 24 horas por dia encaram o desafio de entreter suas pequenas feras. Cheios de energia e alegria, as crianças só querem saber de pular e brincar e os espaços restritos das nossas vidas em apartamentos certamente não ajudam.  Eu passo sufocos diários pensando nos meus filhos fechados em casa e nas pendências do trabalho – como uma amiga, também mãe,  me falou: ‘a gente sempre fica devendo alguma coisa.’ Em outras palavras: nossa maratona diária não tem fim.

O artigo de Anne-Marie Slaughter é extenso e muito completo (recomendo muito  a leitura!) porque ao final, ela explica as consequências de decidir ter filhos mais cedo ou mais tarde e lista as partes estruturais que precisam mudar na nossa sociedade –  que só podem acontecer com mais mulheres em posições de liderança e com mais histórias reais – não para que ‘as mulheres possam ter tudo’,  e sim para que mais pessoas possam ter vidas saudáveis, felizes e produtivas, valorizando as pessoas que amam tanto quanto valorizam o sucesso.

 

Nathalie Trutmann. Chief Magic Officer da FIAP.  Graduada pela University of California, San Diego (EUA), MBA Internacional em Administração de Empresas pela INSEAD (França). Dezoito anos de experiência internacional em marketing e novos negócios nos Estados Unidos, Ásia e América Central. Sólidos conhecimentos em empreendedorismo digital e de TI. Proferiu diversas palestras sobre inovação em eventos locais e participou da comissão julgadora de concursos sobre empreendedorismo. Sócia da zinga.com.br e consultora para startups estrangeiras que querem entrar no Brasil. Autora da Plataforma Brasil20.org, que cobre perfis e experiências de empreendedores brasileiros. Coautora do livro “Empreendedorismo de Alto Impacto” (editora Évora). Membro do DWEN, grupo de mulheres empreendedoras da Dell. Diretora-fundadora do grupo executivo 85 Broads. Responsável pela parceria da FIAP com Singularity University (SU). Embaixadora da SU para o Brasil.

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