Censores anti-corrida

12 de setembro de 2013
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Recentemente, estive com uma grande amiga que mora em San Francisco – eu viajei a trabalho e aproveitei para ficar na casa dela para botar o papo em dia. Era sexta-feira e ela estava colocando seus dois filhos para dormir um pouco mais cedo do que o normal, porque no dia seguinte tinham uma prova física – correr uma milha na escola.

“Mãe, e se eu não conseguir terminar?”, perguntou a menina de nove anos.

“Não faz mal, o que importa é que vamos participar como uma família”, respondeu minha amiga, sorrindo docemente.

“Mas mãe, o pai do Thomas falou que o importante é ganhar”, replicou o menino de treze.

Ela riu e falou alguma coisa, que o pai do Thomas estava confundindo. E eu me lembrei da minha própria prova de uma milha – acontecia todo ano e por alguma razão era o maior troféu que uma criança podia ganhar na escola. Não era uma atividade em família ou de fim de semana, e apesar de eu ter apenas 10 anos, passava semanas treinando para o grande dia.

Culpo o filme Rocky e a cena em que Stallone bebe o batido de ovo cru e sai correndo de madrugada pela cidade com a música de fundo “The Eye of the Tiger.” Eu assimilei aquela cena nas minhas entranhas e, apesar de nunca chegar a beber ovo cru, fiz tudo o que pude para acordar o Rocky Balboa dentro de mim. Colocava uns pesos que minha mãe tinha guardado ao redor dos meus tornozelos e saía bem cedo a correr no condomínio onde morávamos, tentando aumentar a cada dia o número de voltas que conseguia completar.

No final, sempre acabava desidratada e com uma dor de cabeça terrível, mas não importava, eu estava determinada a ganhar a próxima prova da milha. Essa determinação e vontade de ganhar a corrida me acompanharam pelo resto da minha infância, adolescência e vida adulta.

Engraçado que a vida me trouxe um companheiro que se recusou a seguir meu ritmo acelerado na primeira meia maratona que o convidei.

“Você pode ir, eu vou caminhar e aproveitar para tirar fotos.”

A corrida era na ilha do sul da Nova Zelândia, uma região linda com vista para o mar. Só que eu mal aproveitei, e no final do dia estava tão exausta que não conseguia parar de reclamar e levantar da cama, enquanto meu então namorado alegremente preparava o nosso jantar.

Hoje, gosto de pensar, especialmente por meus filhos, que consegui superar um pouco dessa minha necessidade maluca por correr e competir – mas confesso que, mais frequentemente do que gosto de admitir, me sinto beliscada pela convicção de que a grama é bem mais verde do outro lado, especialmente do lado de quem ganha a corrida.

Mas, ao menos meus censores anti-corrida conseguiram evoluir um pouco, e conseguem ao menos identificar quando estou levando meu corpo e espírito à exaustão só por uma vitória tão imaginária quanto desnecessária.

 

Nathalie Trutmann. Chief Magic Officer (CMO) da FIAP.Responsável por identificar e criar experiências encantadoras que possam oferecer, aos alunos, oportunidades de crescimento, transformação e evolução em sua vida pessoal, acadêmica e profissional. Graduada pela University of California, San Diego (EUA), MBA Internacional em Administração de Empresas pela INSEAD (França). Dezoito anos de experiência internacional em marketing e novos negócios nos Estados Unidos, Ásia e América Central. Sólidos conhecimentos em empreendedorismo digital e de TI. Autora da Plataforma Brasil20.org – que cobre perfis e experiências de empreendedores brasileiros –, do livro “Manual para Sonhadores” (editora Leya) e coautora do livro “Empreendedorismo de Alto Impacto” (editora Évora). Membro do DWEN, grupo de mulheres empreendedoras da Dell. Diretora-fundadora do grupo executivo 85 Broads. Responsável pela parceria da FIAP com Singularity University (SU). Embaixadora da SU para o Brasil.

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