Além do seu quintal

28 de julho de 2014
Compartilhe

Há uma imensidão de espaço entre quem empreende para si e aquele que empreende para os outros. Os que empreendem para si mesmos nunca sairão do seu quintal, mesmo que construam grandes empresas e se tornem pessoas financeiramente ricas.

Pessoas assim algum dia se depararão com um muro. Mas o muro só será grande para pessoas pequenas. Estas serão encobertas pela sua própria sombra. Mas outras subirão no muro e, do alto, perceberão que o final do horizonte não é outro muro, mas só um local para se enxergar um novo mundo.

Foi assim com Henry, que já estava quase no final da sua vida, mas ainda se indignava com a taxa de mortalidade infantil por desnutrição. Como farmacêutico, a estatística de 23 mortes a cada 100 nascimentos batia à sua porta todos os dias.

No desespero de ajudar uma criança prematura que rejeitava o leite materno, misturou leite condensado à farinha de trigo tostada e ofereceu à criança. Ali nascia a farinha láctea que colocou seu sobrenome, Nestlé, na história da humanidade.

Poderia ter ficado quieto e feliz com a vida que salvara, mas sabia que a desnutrição infantil era um problema mundial.

Mesmo em idade avançada e lidando com todos os problemas de produção e distribuição que poderia haver em 1867, cinco anos depois a Nestlé já exportava para mais de 17 países, incluindo países da América do Norte, América do Sul, África, Ásia e Oceania.

Empreender para os outros não se limita a resolver apenas os grandes problemas da humanidade. A inglesa Mandy Haberman, inicialmente, era uma mãe que só queria resolver o problema da sua filha que tinha nascido em 1980 com Síndrome de Stickler. Isto dificultava, entre outras coisas a ingestão de líquidos, que vazavam, molhando roupas e o chão. Depois de vários anos pesquisando, desenvolveu o Anyway Cup. Poderia ter ficado brincando com sua filha no quintal da sua casa, mas sabia que outras famílias com bebês pequenos ao redor do mundo tinham problemas com a ingestão de líquidos. Atualmente, o copo antivazamento é encontrado em qualquer loja de produtos para bebês.

Empreender para os outros também inclui ajudar a resolver problemas triviais do dia a dia das pessoas. A norte-americana Bette Graham não era considerada uma das pessoas mais brilhantes no escritório em que trabalhava, afinal, cometia muitos erros de datilografia. Para, literalmente, limpar seus erros, passava uma tinta branca que ela mesma tinha elaborado na cozinha da sua casa e datilografava novamente. Descobriu que outras dezenas de pessoas tinham o mesmo problema e começou a vender sua solução. Atualmente, a empresa que fundou, a Liquid Paper, se tornou referência mundial de corretivo.

Mas a imensidão de espaço entre quem empreende para si e aquele que empreende para os outros pode ser preenchida por empreendedores como Steve Jobs. Mais do que qualquer outro empreendedor, Jobs eternizou o quintal da sua casa, local que utilizava para caminhar e enxergar novos mundos. Ele afirmava que a vida pode ter um significado maior quando você descobre que tudo que foi inventado ao seu redor foi criado, provavelmente, por uma pessoa que não era mais inteligente do que você.

No minuto em que você percebe isto, que pode desafiar a vida, que pode mudá-la e moldá-la, isto é, talvez, a coisa mais importante. Para Jobs, seu quintal não era o mundo, mas a vida das pessoas.

 

Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).

Nosso site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.

Prosseguir