A metade do céu

5 de agosto de 2013
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“Mas então você virou ativista?!” um amigo me perguntou recentemente,  depois que comentei que tinha começado a me interessar por assuntos sobre mulheres.

 Fazia um ano e pouco que não nos encontrávamos e ele tinha acabado de me contar sobre suas últimas descobertas no mundo do trading. Especializado há muitos anos no setor financeiro e sempre atento em novas tendências e aprendizagens, ele comentou como cada vez mais encontrava valor em leituras sobre a psicologia dos seres humanos.

 “Minha última descoberta foi este guru que termina seu discurso com a palavra ‘gratidão’, pois no trading temos que fazer nosso trabalho sempre com gratidão, já que nossas reações podem chegar a ser muito emocionais.”

Achei engraçado que alguém que antes me sugeria livros sobre investimento e como virar milionária estivesse, de repente, me falando de gurus e psicologia e que quando mencionei o assunto de mulheres recuou como se tivesse falado algo ofensivo ou ignorante.

Fiquei um pouco surpresa ante o seu ‘” não me vem com esse papo batido de mulher”. Mas não me ofendi,  já que nossa amizade remonta a meus anos de solteira e livre andança pelo mundo e entendi que ele nunca imaginou que eu ia a ter um ‘issue feminino.’  Virei para a nova namorada dele, que até então tinha ficado quieta no canto dela, e tentei esticar um pouco mais o tema.  Descobri que ela era uma estudante de filosofía muito simpática e no final da noite falou que tinha um livro que talvez pudesse me interessar. “Mas tiveram partes que foram muito difíceis para ler.”

Bom,  seu comentário não foi um exagero. O título do livro é ”A Metade do Céu” e trata do tráfico sexual que acontece com mulheres ao redor do mundo. Escrito por uma dupla de jornalistas premiados, Nicholas D. Kristoff e sua mulher Sheryl WuDunn, a narração documenta de forma muito descritiva e honesta as atrocidades que acontecem nos mais remotos cantos do mundo.  Desde relatar o que acontece com o tráfico na Índia, onde crianças pobres são sequestradas e aprisionadas em bordeis até serem domadas brutalmente no ofício da prostituição com drogas e golpes,  até os incidentes de violação em países na África onde os militares são incentivados a violentar qualquer mulher que encontrem no caminho.  Cada história é mais sangrenta que a anterior, e um triste filme de terror.  O bom, se é que se  pode ter um lado bom para esta triste realidade, é que o motivo do livro é conscientizar e informar os leitores. Assim, os escritores listam claramente quais organizações estão fazendo um trabalho sério na tentativa de resgatar estas vítimas.

Logo em seguida,  li um post de Cindy Gallop que me fez pensar. Para quem não conhece,  a Cindy é uma mulher disruptive que criou o site ‘Make Love Not Porn.” Seu argumento é que a juventude de hoje está aprendendo sobre sexo nos sites de pornografia e assumindo que isto é a realidade da vida e que isso pode estar causando sérios distúrbios nas novas gerações.  Para quem não viu,  vale a pena dar uma olhada.  Nesse post, ela compartilhou uma notícia sobre o assédio sexual na indústria de video games e como uma mulher, participando de um campeonato, tinha sido abusada publicamente. Esse artigo me levou ao projeto Tropes vrs Women onde Anita Sarkeesian documenta os estereótipos de mulheres que estão sendo usadas nos jogos on-line.

Por que importa?  Porque como ela bem explica, não se trata mais de joguinhos de crianças,  mas  de uma mídia de massa que tem um efeito real na nossa cultura. Se todas as mulheres usadas nos jogos são exageradamente gostosonas e minimamente vestidas, que tipo de crença estamos reforçando?

Talvez aquela que causa situações como a que ouvi de uma amiga.

Uma menina saiu da faculdade no seu carro e, num farol vermelho, um ladrão apareceu na sua janela e sinalizou com sua arma que queria sua bolsa. Mas não parou por aí – por alguma razão, mostrou sua lingua e lambeu a janela do carro.

Não, não se pode comparar com os casos cruéis do livro, mas me parece que ambos nascem de uma mesma raiz.  Não sei qual é e ainda não virei ativista, mas  tornei-me uma mulher mais consciente e sensível às realidades importantes de nosso sexo.

E se ficaram curiosas sobre o título ,  ”A Metade do Céu” trata-se  de um ditado popular na China usado para descrever as múltiplas responsabilidades que as mulheres frequentemente carregam nas costas.

 

Nathalie Trutmann, Chief Magic Officer (CMO) da FIAP, é responsável por identificar e criar experiências encantadoras que possam oferecer, aos alunos, oportunidades de crescimento, transformação e evolução em sua vida pessoal, acadêmica e profissional. Graduada pela University of California, San Diego (EUA), MBA Internacional em Administração de Empresas pela INSEAD (França). Dezoito anos de experiência internacional em marketing e novos negócios nos Estados Unidos, Ásia e América Central. Sólidos conhecimentos em empreendedorismo digital e de TI. Autora da Plataforma Brasil20.org – que cobre perfis e experiências de empreendedores brasileiros –, do livro “Manual para Sonhadores” (editora Leya) e coautora do livro “Empreendedorismo de Alto Impacto” (editora Évora). Membro do DWEN, grupo de mulheres empreendedoras da Dell. Diretora-fundadora do grupo executivo 85 Broads. Responsável pela parceria da FIAP com Singularity University (SU). Embaixadora da SU para o Brasil.

 

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