Por um pouco de rebeldia

30 de setembro de 2013
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Acho que tudo começou quando decidi ser colecionadora. Eu tinha dezesseis anos e me tornei obcecada por latas de refrigerante e seus logos chamativos e coloridos, que me impressionavam muito mais do que os néctares doces que ficavam dentro delas. Eu guardava cada um dos meus achados como se fossem tesouros, lavava-os cuidadosamente com água quente da torneira da pia do banheiro e deixava-os de cabeça para baixo para secar sobre longas tiras de papel-toalha que eu surrupiava da cozinha. Depois, eu arrumava uma lata ao lado da outra na prateleira de cima do meu quarto e passava horas olhando para a minha coleção, imaginando uma vida mágica onde nenhuma das minhas angústias de adolescente poderia se intrometer.

Eu já estava quase esgotando o estoque de latas de refrigerantes do supermercado, quando me deparei com o mais maravilhoso e inesperado depósito de tesouros: as cestas de lixo negligenciadas dos parques públicos, onde as pessoas jogavam suas latas vazias (às vezes não tão vazias). Emocionada com minha descoberta, passei muitos finais de semana cavando esses tesouros públicos, muito animada com a variedade de latinhas pegajosas que surgiam das profundezas do lixo, sem me preocupar com as pessoas que ficavam me observando com olhar de censura (naquela época, não se fazia reciclagem de latas de  alumínio). Eu havia descoberto a arte e a alegria de ser uma colecionadora e de “quebrar as regras” para satisfazer minha paixão. Depois de muitas e muitas latas, a paixão acabou…

Mas, um par de anos atrás, me peguei sentindo essa vontade inexplicável de fazer alguma coisa teoricamente “fora dos limites” e desfrutar da emoção boba após ter concluído meu pequeno ato de rebeldia. Foi um período difícil na minha vida, quando eu estava trabalhando para uma empresa glamourosa, mas ganhava pouco e me esforçava para pagar minhas contas. Lembro-me que toda segunda-feira ficava maravilhada com o arranjo de flores requintado e fresco que decorava o saguão elegante. Eu sonhava com o dia em que poderia ter sempre flores frescas como aquelas na minha casa. Um dia, percebi que se eles colocavam um arranjo novo a cada segunda-feira, isso significava que eles jogavam o anterior às sextas-feiras. Assim, não faria mal a ninguém se eu pegasse um par de flores toda sexta-feira para levar para casa comigo. Não consigo explicar a minha felicidade a cada vez que eu desafiava as convenções e a etiqueta, estendendo a mão para pegar um ramo de flores e sair bravamente, alheia aos olhares do mundo ao meu redor.

Hoje, vejo que meu filho de cinco anos de idade desenvolveu essa “coisa rebelde” – ele adora sair sorrateiramente da sala de aula para se divertir nos brinquedos da escola fora do horário do recreio e a cada vez que ele faz isso sou confrontada com sentimentos mistos. Por um lado, sei que deveria fazer meu dever e chamar a sua atenção, mas por outro lado eu me sinto tão perto dele, de sua alegria ao perceber que às vezes ele é inteligente o suficiente para conseguir burlar as regras.

De alguma forma eu sinto que esses pequenos atos de rebeldia estão intimamente relacionados e são inversamente proporcionais às pequenas explosões de liberdade que ansiamos em nosso dia a dia. Que nestes momentos, o Instinto Primitivo que nasce conosco grita tão alto quanto ele pode: “Eu sou, portanto, eu posso – e se eu não conseguir, pelo menos, eu posso fingir que eu posso”.

 

Nathalie Trutmann. Chief Magic Officer (CMO) da FIAP.Responsável por identificar e criar experiências encantadoras que possam oferecer, aos alunos, oportunidades de crescimento, transformação e evolução em sua vida pessoal, acadêmica e profissional. Graduada pela University of California, San Diego (EUA), MBA Internacional em Administração de Empresas pela INSEAD (França). Dezoito anos de experiência internacional em marketing e novos negócios nos Estados Unidos, Ásia e América Central. Sólidos conhecimentos em empreendedorismo digital e de TI. Autora da Plataforma Brasil20.org – que cobre perfis e experiências de empreendedores brasileiros –, do livro “Manual para Sonhadores” (editora Leya) e coautora do livro “Empreendedorismo de Alto Impacto” (editora Évora). Membro do DWEN, grupo de mulheres empreendedoras da Dell. Diretora-fundadora do grupo executivo 85 Broads. Responsável pela parceria da FIAP com Singularity University (SU). Embaixadora da SU para o Brasil.

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