Quando um pai perde seu valor

27 de março de 2014
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“Ricardo? Não conheço.” Essa foi a resposta que obtive quando perguntei se ela trabalhava com o Ricardo. Era um evento de empreendedorismo e a moça que eu acabara de conhecer havia me dito que já estava há quatro meses na empresa. “Sabe o sobrenome?” perguntou, não se dando por vencida. “Sayon”, respondi. Mas, pela minha expressão, ela percebeu que deveria conhecer a pessoa. “O fundador da empresa” complementei, antes que meu espanto se transformasse em desencanto por aquela moça que, minutos antes, tinha tratado minha filha tão bem, tentando convencê-la a comprar uma boneca Monster High. “Ah… O pessoal antigo fala muito bem dele. Ele ainda é muito querido na empresa”. Resolvi que esse era o momento de ir embora, afinal minha filha gosta de Lego e livros e, por enquanto, eu sou o seu herói. Mas aquele rápido bate-papo ficou na minha cabeça. Não só porque ela não conhecia o fundador da empresa, mas também porque tinha utilizado termos como “antigo” e “ainda”.

Eu já havia percebido que o Ricardo já não era tão ouvido assim na empresa. Em julho deste ano, sua filha me disse que, certa vez, depois de visitar a loja do Shopping Aricanduva, ele havia ligado indignado para o investidor que tinha comprado 85% do seu negócio. “A empresa vai quebrar”, disse. “Mas por quê?”, respondeu o investidor. “Porque trocaram prateleiras amarelas por brancas na loja Aricanduva”, disse Ricardo. “Mas Ricardo, as prateleiras brancas são mais baratas”, respondeu o investidor. “Você não está entendendo… as cores que mais chamam a atenção das crianças são amarelo e vermelho”, explicou Ricardo.

Ricardo Sayon sabia do que estava falando. Ele é pediatra. Entende de crianças. E aquela unidade do Shopping Aricanduva era apenas uma das mais de 100 lojas que tinha aberto desde 1988. Sua história como empreendedor é uma exceção. Ele não abriu a empresa porque tinha identificado uma oportunidade. Era um médico dedicado e feliz, até que o inquilino para quem havia alugado uma loja na rua Pamplona, em São Paulo, quebrou – e, para piorar, sujou o seu nome na praça, impedindo-o de alugar o imóvel até que o processo de falência fosse finalizado. Irritado com a situação, Ricardo pediu para sua esposa abrir qualquer coisa no local, só para compensar o não pagamento do aluguel. Em 1988, ela abriu uma loja de produtos para bebês e crianças. E chamou a loja de RiHappy só para deixar o Ricardo Feliz.

Dr. Ricardo e seus sócios (uma pedagoga e um empresário de informática) só amargaram prejuízos nos primeiros anos. A RiHappy era um cachorro sem dono. Ninguém se dedicava integralmente, ninguém entendia de comércio e ninguém se animava com o futuro do negócio. Até que todos concordaram em fechar a empresa: Dr. Ricardo ficou incumbido de devolver parte do estoque para a Brinquedos Estrela. Não se sabe porquê, um dos diretores da Estrela foi contra a decisão e passou a atuar como mentor dos empreendedores. “É claro que vocês estão mal. Vocês fazem tudo errado”, disse. A primeira constatação foi que nenhum deles era comerciante. Mas eram excelentes prestadores de serviços. Assim, a RiHappy não deveria comercializar brinquedos, e sim prestar serviços para aqueles que vinham em busca de uma solução para bebês e crianças. A segunda foi que RiHappy era um nome complicado, mas as crianças adoravam a loja do solzinho “vermelho e amarelo”. Por fim, ficou decidido que o Dr. Ricardo deveria se dedicar somente a este negócio. Algo que ele fez durante os últimos 20 anos, até a venda da companhia para um fundo de private equity em 2012.

Eu conhecia esta parte da história do Dr. Ricardo. Também conhecia o mercado de private equity. Sei que muitas empresas crescem e seus fundadores caem no esquecimento. Eu só não sabia que, além de ser um grande empreendedor, o Dr. Ricardo também tinha sido um bom pai nestes últimos 20 anos. Foi pensando nos seus filhos que sugeri à Endeavor que gravasse um depoimento do fundador da RiHappy, narrando sua trajetória e todos os seus perrengues como empreendedor. Mais do que uma homenagem, era um presente para o futuro da sua filha (que eu havia conhecido), para o futuro da empresa que havia fundado e para uma nova geração de empreendedores brasileiros, que não precisam buscar inspiração fora do país. Para todos estes, Dr. Ricardo explicou: “O fator mais importante é você estar cercado de gente boa. Esse é o grande valor de uma empresa, esse punhadinho de gente que você junta para trabalhar. A gente se dedica não só pelo dinheiro, mas pelo amor e paixão por aquilo que faz.”.

 

Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).

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