Jobs to be done e o dedinho do pé

25 de maio de 2015
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Oportunidades de negócio talvez não estejam apenas na corrida pelo novo device da internet das coisas

 

Por Nathalie Trutmann (*)

 

Na semana passada, para minha grande infelicidade, acordei no meio da noite pensando em todas as coisas que tinha por fazer. Depois de um par de minutos falidos tentando voltar às tão aconchegantes ondas alfa, abri o computador e me entreguei à interminável tarefa de responder a meus e-mails. Para alguém que tinha como norma dormir mais de oito horas por noite, esta recente mudança no meu padrão sonífero tem me incomodado bastante. Às 5 da manhã, fui fazer minha hora de corrida antes de começar formalmente meu dia. Uma leve dor no dedinho do pé me incomodou, mas só fui prestar atenção no final do dia quando já mal conseguia caminhar. “Pequeno trauma, normal em quem corre, cinco dias de analgésico e pode voltar à rotina normal”, disse o médico do pronto-socorro quando mostrei meu dedinho dolorosamente inchado e quase azul.

Um dos módulos que mais ressoa na Master Class da Hyper Island é o conceito Jobs to be Done (JTBD), desenvolvido por Clayton Christensen, professor de Harvard e autor do livro The Innovator’s Solution, para ajudar as empresas a encontrarem novas oportunidades nos mercados ultracompetitivos de hoje. Ele é um conceito que a princípio parece simples, mas que pode ter um impacto profundo na forma como as empresas abordam o mercado.

 

“Não pergunte para as pessoas o que elas querem — em vez disso ajude-as a articularem os trabalhos que estão tentando resolver e examine as necessidades que elas têm no decorrer do seu dia a dia.”

 

Porque frequentemente os trabalhos que as pessoas estão tentando resolver são muito maiores e mais abrangentes que o produto que elas compraram e oferecem grandes oportunidades de negócios que passam despercebidas.

 

“O último produto que comprei foi um martelinho rosado”, respondeu uma das participantes do último workshop à pergunta do facilitador. “Cansei de pedir para meu marido pendurar o tal do quadro, fui na TokStok e achei meu próprio martelo. Hoje sou tão apegada a ele que fico histérica se alguém ousa tocar nele. Ele me lembra de quão poderosa eu sou. Com meu martelinho do meu lado sei que sou capaz de desbravar o mundo!” Quem poderia imaginar que um martelinho rosa pudesse resolver tantos desejos?

 

Lembrei-me do JTBD recentemente quando um colega perguntou se tinha ouvido falar de uma tal Slack que tinha aparecido nas top 10 da lista de empresas mais inovadoras do mundo publicada pela Fast Company. Não, respondi, mas coincidentemente um dos empreendedores mais visionários que conheço (João Oliveira — fundador da prodeaf.net e pagcoin.com — primeiro sistema de pagamento que aceita bitcoin no Brasil) tinha feito menção a ela na Campus Party. “Comecei a usar na minha empresa faz um ano e aboli completamente os e-mails, é tipo um WhatsApp de trabalho”, me explicou o tal amigo.

Não por coincidência, a Slack foi criada pelos mesmos fundadores do Flicker e é hoje a ferramenta de comunicação corporativa mais usada pela maioria de startups de Silicon Valley. Precisa de mais credibilidade? Do meu lado já comecei a preparar minha mente para esta iminente mudança, mas confesso que me dá aquele clássico apertão de ansiedade na frente de toda grande mudança.

 

Uffe Elbæk, grande idealizador e fundador da inovadora escola Kaos Pilot, tem uma palestra no Do Lectures sobre a nossa capacidade de ouvir as mudanças da sociedade e o futuro. Ele conta como em 1989, depois de ter participado de um movimento ativista na Rússia, um entrevistador perguntou para ele o que achava da guerra fria. Ele respondeu que com certeza algo tinha começado a ocorrer, mas que ainda demoraria uns 15/20 anos para acontecer de forma realmente significativa. Um mês depois o Muro de Berlin caiu.

 

“Fiquei intrigado com a importância de conseguirmos criar situações dentro de nós mesmos e dentro das nossas organizações para sermos capazes de ouvir os tênues sinais que a sociedade emite quando está começando a se movimentar para uma grande mudança e o que eles nos dizem sobre o futuro”, explica.

 

Um conjunto de sinais interessantes chegou até mim nos últimos dias. Um deles veio de Edson Matsuo, que visionariamente escolhe chamar-se Ativista Criativo da Grendene, ao comentar sobre uma empresa que está fazendo muito sucesso em Porto Alegre — Comida que Cuida. O outro veio de um post da Paola Colombo, recentemente promovida para liderar o escritório da R/GA em San Francisco: “Por favor não cresçam” na legenda da foto de seus filhos brincando de médicos. Na hora pensei, essa bem que poderia ser uma boa marca para produtos para crianças.

 

E, por fim, o de uma querida amiga quando contei sobre meu dedo machucado. Segundo ela, um desses massagistas especializados em reflexologia uma vez lhe comentou que ninguém presta a atenção ao dedinho do pé, mas ele representa o equilíbrio nas nossas vidas. Ao ouvir isso, na hora quis colocar uma resposta automática no meu inbox: “se você se importa, por favor não mande e-mail”.

 

No seu visionário livro Enchanted Objects, David Rose desafia a euforia ao redor da nova corrida pela internet das coisas e afirma que a maioria dos produtos que estão sendo criados é desconectada das nossas verdadeiras necessidades, e que em vez de nos dar mais poder, eles nos enfraquecem. Segundo ele, tanto designers, engenheiros e empreendedores deveriam pensar além das telas pretas, porque apesar de ter conseguido criar um mundo mais eficiente, elas também têm conseguido criar um mundo mais frio e desumano, onde 90% do nosso tempo é engolido por elas.

 

Para Rose, em vez disso, quando pensamos na internet das Coisas, deveríamos pensar em produtos que verdadeiramente encantem e conectem as nossas vidas, e que resolvam necessidades reais. Coisas simples com menos features, como uma carteira conectada à nossa conta bancária, que impede que tiremos o cartão quando nosso saldo no banco está negativo. Ou uma tampa que fique vermelha quando esquecemos de tomar nosso remédio.

 

“Não se trata de mais conexões ou de mais acesso à informação — a realidade é que as pessoas não querem ver nem ouvir mais, o que elas querem são menos interrupções e distrações, melhores filtros para ver e ouvir exatamente o que elas querem.”

 

Talvez valha à pena ficarmos mais atentos para ouvir os sinais de angústia e sobrecarga das pessoas hoje em dia. Talvez as grandes oportunidades de negócios não estejam só na corrida por implementar o novo device da internet das coisas, e sim na criação de produtos que tragam mais cuidado, sabedoria e empoderamento às nossas vidas. Quem sabe talvez sapatos com sensores que nos alertem quando nosso dedinho começa a ficar estressado, desliguem instantaneamente nossas telas pretas, reagendem nossos compromissos e ativem alguns cheiros e músicas tranquilizantes para recuperar nosso equilíbrio interno.

 

(*)Nathalie Trutmann é diretora-geral para América Latina da Hyper Island, embaixadora no Brasil da Singularity University e chief magic advisor da Fiap

 

 

 

 

 

 

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