Viva a sorte! A história da criação do chiclete, do Google, da Microsoft…

1 de junho de 2015
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“Tudo de bom que você se fizer, faz sua rima ficar mais rara. O que você faz te ajuda a cantar, põe um sorriso na sua cara… Meu amor, você se dá sorte…”

Mesmo só lendo, você já escuta a música. Dali a pouco já está cantando, sorrindo e, quem sabe, tendo mais sorte. Afinal, é claro que o seu amor lhe trará mais sorte. Pelo menos para os apaixonados pela vida.

Canções assim grudam como chiclete. Mas, provavelmente, você não entenderia essa frase se o jovem fotógrafo Thomas Adams Junior não tivesse tido tanta sorte na vida. Em 1869, ele morava em Nova Iorque e era vizinho e amigo de Antonio López de Santa Anna, ex-presidente mexicano. Adams notava que Santa Anna costumar mascar uma espécie de borracha que tinha trazido do México chamada tchiclé.

 

Em uma de suas idas à farmácia, Adams notou um tablete de cera que uma menina acabara de comprar e agora mascava com alegria. A associação com o tchiclé de Santa Anna foi imediata. Ele voltou para casa e, a partir de uma amostra obtida com seu vizinho, criou uma versão com sabor e mais macia da tal borracha. Cortou sua versão de tchiclé em tabletes, embrulhou em papel colorido e foi vender sua primeira produção para a mesma farmácia e, desde então, Adams se tornou sinônimo de chicletes.

 

Se Adams não tivesse sido tão simpático com sua vizinhança, se não tivesse tido a curiosidade de experimentar o tal tchiclé daquele senhor mexicano, se não tivesse percebido a menina na farmácia e se não tivesse tentado criar sua própria fórmula de mascar, não faria sentido a relação entre músicas e chicletes.

 

Diríamos, quem sabe, que algumas canções são como Super Bonder… Mas, de novo, a frase não teria sentido se o cientista norte-americano Harry Coover não tivesse a sorte de ter descoberto o cianoacrilato duas vezes! Na primeira, em 1942, ele chegou a esta formulação enquanto buscava freneticamente a fórmula para um plástico resistente e transparente que seria utilizado em armas para a Segunda Guerra Mundial.  Nem percebeu o potencial da super-cola que havia criado – afinal, naquele momento, ele só buscava fabricar melhores armas.

Nove anos depois, quando a guerra já havia acabado, estava trabalhando para a Kodak e sua equipe desenvolvia um plástico resistente ao calor, quando chegaram novamente à mesma fórmula. Mas agora, menos pressionado por resultados e mais relaxado, Coover percebeu os mais diversos usos de uma super-cola, que depois viria a ser licenciada e comercializada como Super Bonder pela Loctite.

Grandes descobertas quase sempre têm, como pano de fundo, inesperados golpes de sorte. Será que Larry Page e Sergey Brin teriam criado o Google se não tivessem a sorte de terem o mesmo orientador de doutorado em Stanford? Foi ele quem os apresentou e ainda sugeriu um tema para suas teses.

Será que a Microsoft teria existido se Bill Gates e Paul Allen não tivessem visto a reportagem do computador pessoal na revista Popular Electronics?  Ou se a IBM não tivesse ido falar com Bill Gates sobre seus projetos com sistemas operacionais? Mas será que não contou o fato de sua mãe ter sido amiga do presidente da gigante de tecnologia e ter falado inúmeras vezes da genialidade do filho em computação?

 

A sorte sempre intrigou as pessoas e há muito tempo os pesquisadores tentam entender como este fenômeno ocorre. Peter Bernstein, um financista e pesquisador que ficou muito tempo associado à Universidade de Harvard, conta em seu livro Desafio aos Deuses – a Fascinante História do Risco, como as pessoas, do ponto de vista histórico, tentam dominar sua própria sorte. Mas é no campo da psicologia que a pesquisa sobre a sorte tem trazido reflexões mais instigantes para os empreendedores.

 

Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire (Reino Unido), tem sido uma das principais referências na pesquisa da sorte. Em um dos seus testes mais conhecidos, ele pede para pessoas que se consideram “sortudas” e “não sortudas” para contar as figuras que estão em um jornal. Em média, as pessoas “não sortudas” demoram cerca de dois minutos para finalizar a tarefa enquanto que as “sortudas” levam apenas alguns segundos. Qual o motivo? Logo na segunda página há uma figura que diz: “Pare de contar! Há 43 figuras neste jornal”.

 

Em outro grupo, Wiseman trocou o anúncio por outro que dizia: “Pare de contar! Avise o avaliador que viu este anúncio e receba 250 libras (algo como mil reais)”. Novamente, a maioria das pessoas que se consideram “não sortudas” continuavam a contagem. De certa forma, foi isto que aconteceu com Harry Coover quando ele ficou bravo com aquela coisa grudenta que tinha criado em 1942. Estava muito concentrado no que estava fazendo.

Intrigado com as pessoas que se consideram mais sortudas, Wiseman passou a estudar seus comportamentos, hábitos e atitudes. E descobriu alguns fatos curiosos.

As pessoas que se consideravam “sortudas” eram cerca de duas vezes mais autoconfiantes do que as “não sortudas”, mesmo quando as chances estatísticas de receber algo bom como o prêmio de uma loteria eram as mesmas. As pessoas “sortudas” estavam muito mais satisfeitas com suas vidas familiar, pessoal, financeira, saudável e profissional.

As pessoas “sortudas” eram muito mais extrovertidas como Thomas Adams. E por esta razão, encontravam um número muito maior de pessoas, se tornavam uma espécie de imã social e gostavam de manter o contato com as pessoas. Wiseman observou que pessoas “sortudas” sorriam duas vezes mais, sempre mantinham contato visual com as pessoas e ainda tinham níveis de ansiedade 50% menores do que as “não sortudas”.

E, por estarem mais relaxadas, conseguiam prestar atenção em mais coisas secundárias como o conteúdo das fotos do jornal ou as possíveis aplicações da super-cola redescoberta por Coover no período pós-guerra. Além disso, as pessoas “sortudas” eram mais abertas a novas experiências, tendiam a não se limitar por convenções ou dogmas e eram mais simpáticas às questões imprevisíveis. No levantamento de Wiseman, as pessoas “sortudas” iam muito mais a eventos, conheciam mais novas pessoas e gostavam de experiências inéditas. Mesmo quando a experiência não é boa, tendiam a ver o lado positivo no ocorrido.

Será que você se encaixa neste perfil de pessoa “sortuda”? Se vivencia as frases que abrem este texto sim, você deve ter sorte. E sim, as estrofes foram alteradas seguindo a lógica de Wiseman

 

Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).

 

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