Sociedade da Informação agora

17 de agosto de 2015
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Prof. Demerval L. Polizelli*

Sociedade da Informação é uma das expressões que aparecem com freqüência na imprensa e em alguns trabalhos acadêmicos. Ela é relacionada, de maneira geral, ao crescimento do uso da informática em diversas áreas. Entretanto, esse não é o uso mais correto da expressão; é necessário ser mais específico. Se foi verdade que houve o crescimento da informática, o foi devido ao papel das agências (ou políticas) de Sociedade da Informação que atuaram nesse setor nos últimos dez anos. Portanto, Sociedade da Informação significa um conjunto de políticas, mecanismos de estímulo à inovação e à articulação de organizações, para obter esse desempenho. Dito de outra forma, esse desenvolvimento não foi espontâneo, mas um produto consciente de ações públicas e privadas estruturadas por agências específicas.

Essas organizações – também conhecidas por “agências” – realizam um trabalho de inteligência, antecipando cenários para orientar esforços de empresas, universidades e governos. Todo o trabalho dessas agências está sintetizado em suas agendas, acessíveis por intermédio da rede mundial de computadores. Elas se vêem como instituições públicas voltadas para regulamentar ações, recrutar instituições e empresas para  obter o desenvolvimento social e tecnológico, daí serem chamadas de agências, no sentido europeu. Não são órgãos privados ou governamentais típicos, adotando, inclusive, o recrutamento temporário de especialistas do mercado e das universidades para realizar trabalhos de pesquisa e avaliação de projetos.

Com base nessas instituições, a Europa, a Coréia e o Japão adotam políticas de avaliação de tendências de negócios, além de propor alternativas de novas famílias de produtos e serviços. A eEurope (como é chamada a agência européia) divulga a agenda que combina as tendências tecnológicas com a inclusão social. Essa parece ser uma das particularidades da Europa. O KISDI (sigla em inglês para Instituto Coreano de Desenvolvimento da Sociedade da informação) divulga anualmente o Relatório de Tecnologia da Informação que estimula investimentos, articula empresas e fornecedores, gera redes de negócios e de tecnologia. No Japão, o Ministério de Relações Internas e Comunicações divulga o Livro Branco que traduz as tendências em números, apresenta pesquisas de uso de TI por empresas e pessoas físicas, mostra novas possibilidades de negócios e propõe parcerias para novos desenvolvimentos. Nos Estados Unidos, as empresas lideram as cadeias de negócios, em parceria com universidades, e políticas de compras por parte do Estado. Compartilhar o custo e os recursos para gerar o conhecimento demandado pelos projetos parece ser a regra para que as empresas se mantenham nas cadeias de negócios de tecnologia de ponta.

A Sociedade da Informação articula diversas ações políticas e órgãos públicos não apenas no plano quantitativo (número de computadores), mas principalmente no qualitativo (estratégia). Nesse plano, a agenda é mais uma vez fundamental: ela antecipa de maneira clara e acessível quais passos serão dados, quais projetos serão priorizados. Contribui para  a constituição de metodologias de avaliação e financiamento de tecnologia de ponta a fim de solidificar as vantagens competitivas das empresas, países e regiões (no caso europeu). A partir delas, cada empresa – mesmo a localizada na base da cadeia de negócios – é estimulada a perceber o conhecimento de maneira clara, convertendo-o no seu principal ativo.

Essa prática repensa os paradigmas de gestão, introduz modelos de intercâmbio de conhecimento e projetos com base nas competências dos seus membros. Se o conhecimento assume importância, o planejamento das competências a ele associadas com os principais atores (universidades, empresas e governos) passa a ser fundamental para obter o capital intelectual necessário. O termo atores é significativo, pois a partir dele uma teia de relações se instala, atinge o conjunto da sociedade e trabalha o cenário pretendido. Da mesma forma que o ator no teatro estimula e difunde idéias, as agências de Sociedade da Informação precisam saber escolher os seus principais “atores” para que eles possam  cumprir o seu “papel”. O seu desafio é sofisticado; elas não apenas antecipam o desenvolvimento tecnológico, mas em certa medida o constroem ao identificar quem, como e onde será capaz de efetivá-lo.

As agendas devem ser financiadas com regras claras e transparentes. Muitos dos projetos aprovados combinam fundos comunitários,  parcelas de impostos e até captação em bolsa (caso das grandes empresas). Na Europa, os fundos comunitários e regionais desempenham papel importante. Nos Estados Unidos identifica-se a importância do setor privado, com a presença dos fundos de pesquisa públicos (ligados às grandes universidades).

As agendas atuam amplamente: o governo eletrônico, e-commerce, transportes inteligentes, mobilidade, educação, infra-estrutura, redes, meio ambiente, telecomunicações, regulamentação, tecnologia da informação, tecnologias móveis, além da governança das redes. Na área social elas discutem também os programas sociais de inclusão digital dos setores de maior risco, desemprego tecnológico e envelhecimento da população. A compreensão da agenda reflete também a história econômica do país. No caso europeu, predomina uma visão de instituição que tem um papel de articulação central nas ações de Sociedade da Informação. Nos Estados Unidos, são as empresas privadas que lideram o processo com alguma articulação com o Estado na pesquisa e antecipação de tendências. Na Ásia, o Estado divulga tendências e estimula projetos, que são executados por articulações lideradas por empresas privadas com seus parceiros e fornecedores.

Pelo que foi escrito aqui, é possível perceber que não se pode mais adiar o debate sobre o tema. O desenvolvimento de tecnologia atualmente é complexo não apenas no seu conteúdo, mas no seu desenho institucional, com diversos atores (no sentido desse texto), com atribuições definidas para cada setor e com uma política clara de articulação de esforços. O espaço para desenvolver produtos e serviços de base tecnológica isoladamente é restrito e ficará ainda menor. A capacidade de constituir a inteligência para produtos e serviços com base na experiência de redes de negócios da Sociedade da Informação é fundamental para o posicionamento mais favorável do Brasil no século XXI. Adiar o debate sobre o tema é correr o risco de lamentar a sua ausência no futuro próximo.

*Demerval Luiz Polizelli é professor da FIAP. Pós-doutor em Administração (FEA/USP), doutour em Sistemas de Aprendizagem (Unicamp), mestre em Ciência Ambiental (USP), especialista em Comunicações (ECA/USP), graduado em Ciências Sociais pela USP e Economia pela PUC/SP. Instrutor de treinamento em empresas, consultor de treinamento e pesquisa de mercado. Possui 16 trabalhos publicados.

 

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