Criatividade na marra #1*

15 de fevereiro de 2013
Compartilhe

Recentemente, recebi um grupo de jovens que está, como tantos outros neste momento, questionando e montando uma nova proposta educacional para jovens. Eles queriam compartilhar suas experiências e ouvir um pouco da minha, para ver como poderiam melhorar o modelo que estão montando.

O que chamou a minha atenção foi que começaram a falar de sua experiência em termos de “design thinking”, “gamification” e “peer to peer learning”. Depois de ouvi-los por alguns momentos, eu já me sentia um pouco impaciente e falei: “Sim, sim tudo certo e válido. Mas nada substitui aquele professor maravilhoso que sabe dar um show em sua aula e te encantar com seu conteúdo”.

Muitas vezes me parece que esses novos (ou não tão novos) termos tomam conta do nosso discurso e nos fazem esquecer que, no final das contas, o que realmente importa é o conteúdo. Já participei de vários workshops de especialistas locais e internacionais com o método do “design thinking” e confesso que, apesar de ser a maior fã da Ideo e de seus livros, fiquei muito revoltada e aborrecida com várias dessas experiências. Se o conteúdo não é bom, é muito difícil que um processo – por mais sexy que seja ou mais post-its coloridos que tenha – consiga segurar a atenção e a motivação de quem está participando e gerar qualquer tipo de criatividade.

Nunca vou me esquecer de uma conversa que tive há alguns anos com o diretor criativo de uma das maiores agências publicitárias do país. Começava a era web 2.0 e, com ela, a ressoar o termo “interatividade”. Achei curioso que ele falou que nada disso o influenciava quando ele começava a elaborar e criar uma nova campanha. “O que eu faço é sempre pensar o que daria para fazer se não tivéssemos eletricidade”, ponderou.

E me contou sobre uma das primeiras campanhas que ele tinha feito para um cliente que tinha um budget muito pequeno. Era uma oficina de carros que queria aumentar suas vendas. Depois de muito pensar, ele e sua equipe elaboraram uma coisa muito simples, mas que teve muita repercussão. Fizeram um tipo de adesivo transparente e magnético do comprimento de um carro, que tinha uma linha – quando era colocado no carro, parecia que alguém o tinha riscado. No final do adesivo, estava escrito em letras bem pequenininhas algo como ‘se você gostou da piada, compartilhei com alguém’ e a marca da oficina.

A campanha que eles fizeram envolveu a impressão de uns mil adesivos e colocá-los em carros espalhados pela cidade. Eles ficavam escondidos filmando a reação das pessoas quando chegavam perto de seus carros e viam que alguém os tinha riscado. Primeiro, xingavam muito. Quando se aproximavam mais e percebiam que era um adesivo, davam risada e descolavam cuidadosamente para fazer a piada no carro de algum amigo. As filmagens viraram pequenos vídeos colocados no ar pela agência. Eles se tornaram virais e se espalharam pelo país.

Lembrei-me dele ontem, quando estava quebrando a cabeça sobre o post que faria hoje e entrei no banheiro da pizzaria aqui no Vale do Capão, onde resolvi passar o Carnaval e estava jantando. A proposta do lugar era bem diferente, oferecendo aos clientes só dois tipos de pizza – de cenoura e de banana – e para quem quisesse se aventurar ainda mais no paladar, mel com pimenta para colocar por cima (para os fãs de pimenta, totalmente demais!)

Além disso, o espaço já me encantou por ser muito bem pensado e preparado para receber famílias – antes mesmo de tirar nosso pedido, o garçom trouxe duas caixas de Lego para meus filhos e apontou para uma mesa dentro de um buraco para eles brincarem. Genial! Um curral improvisado e a uma distância perfeita para as ferinhas não atrapalharem o jantar dos outros e para os pais poderem manter um olho sobre eles enquanto bebiam tranquilamente um dos deliciosos sucos de abacaxi e mel que eles fazem – o que eu daria para que existisse alguma coisa assim em São Paulo!

Bom, tive que usar o banheiro e, quando abri a porta, me deparei com a grata surpresa (miniexplosão de felicidade!): tinham colocado um rodo atravessado horizontalmente atrás da privada, que encaixava perfeitamente com o comprimento da parede e o cabo dele era utilizado para pendurar os rolos de papel higiênico. Assim poupavam o trabalho de ter que, dado o alto número de clientes, colocar novos rolos a cada momento. Me desculpem, mas que ‘design thinking’ ou ‘gamification’ poderia ter chegado a uma solução tão simples e encantadora? Nenhum, só a própria experiência e a atenção às necessidades dos consumidores com um budget bem apertado.

E para quem quiser conhecer um caso de educação muito inspirador e feito nas mais precárias condições, não me canso de indicar o livro Guerreiros da Esperança, de Andrea Hirata, um lindo e comovedor relato sobre uma das escolas mais pobres da Indonésia. Simplesmente sensacional.

*Artigo publicado no site PEGN 

 

Nathalie Trutmann é diretora de inovação da FIAP e executa iniciativas que transformem a experiência dos estudantes. Lidera a parceria com a Singularity University e é autora do Manual para Jovens Sonhadores.

 

 

Nosso site armazena cookies para coletar informações e melhorar sua experiência. Gerencie seus cookies ou consulte nossa política.

Prosseguir