A inovação é óbvia
O período entre maio e junho de 1985 não foi nada agradável para Steve Jobs. Em 31 de maio daquele ano, ele tinha sido formalmente demitido da Apple, a empresa que fundara oito anos antes. Sua frustração e raiva eram ainda maiores porque tinha sido demitido justamente por John Sculley, o executivo que ele mesmo tinha se esforçado em trazer para dirigir sua empresa dois anos antes. Para piorar, Peter Drucker havia feito duras críticas abertas a ele, condenando sua falta de disciplina como gestor e sua incapacidade de formar times.
Por tudo isto, é improvável que Steve Jobs tenha lido The Discipline of Innovation, o artigo de Drucker publicado exatamente naquele momento (edição de maio-junho de 1985), na Harvard Business Review.
Se Jobs leu ou não, o fato é que este artigo, que se tornou um dos clássicos da HBR, resume as iniciativas, agora celebradas, de Jobs em seu retorno à Apple. Além de se tornar um exímio gestor, Jobs também passou a desenvolver grandes times. Mas, as grandes coincidências não se resumem a estes fatos, que por si só, já seriam críticos para o sucesso de qualquer empresa inovadora. Várias outras merecem destaque e reflexão:
• “Inovação é uma função específica do empreendedorismo”. Faça um teste: busque o termo empreendedor ou empreendedorismo nos livros de inovação e encontrará pouca ou nenhuma relação entre estes dois termos. É como se a inovação surgisse por algum tipo de decreto divino e não fosse vislumbrada, realizada e persistida por um tipo de pessoa com um comportamento humano especial, que chamamos de empreendedorismo. Para Drucker, não há inovação sem empreendedores. E Jobs, em sua segunda fase na Apple, compreendeu o papel dos empreendedores na construção de uma grande empresa em diversos momentos, com destaque para a decisão de abrir sua plataforma para empreendedores que desenvolvem aplicativos, por exemplo.
• “Novas oportunidades raramente se ajustam à forma como a indústria aborda, define ou organiza o mercado”. Em seu retorno, Jobs redefiniu a forma como os produtos da Apple eram comercializados e revolucionou o mercado de comercialização de conteúdo digital. Cada inovação implicou em uma nova cadeia e proposta de valor.
• “Uma mudança na percepção não altera os fatos. Isto muda seu significado, de forma bruta e rápida”. Os exemplos mais recentes como o iPad ou mesmo o iPhone ou iPod ilustram claramente esta constatação de Drucker, mas isto também é válido para a maioria dos produtos da empresa desde o retorno de Jobs à Apple.
• “Se uma inovação não almeja a liderança desde o início, não parece ser inovador o suficiente”. E Jobs levou esta afirmação de Drucker em consideração de forma cada vez mais avassaladora, tanto que se tornou a expectativa constante de investidores, fornecedores, colaboradores e, principalmente, consumidores.
Mas, de todas as contribuições iluminadas pelo artigo de Drucker enquanto Jobs entrava em um período sombrio, era a constatação de que “o maior elogio que uma inovação pode receber é alguém dizer: isto é óbvio”. E quando minha filha de 2 anos e 6 meses interage com o iPad dela sem pedir nenhuma ajuda é fácil acreditar que a inovação é óbvia.
Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).



