Pequeno Dicionário de Startupês
Quem participa pela primeira vez de um evento de empreendedorismo – principalmente o digital – pode ter a impressão de que entrou em um evento gringo cheio de termos em inglês. Mesmo que saiba traduzi-los para o português, ainda assim não serão totalmente compreensíveis. Para que consiga entender, discutir e até rir das piadas desses encontros, preparei um pequeno dicionário de startupês com os principais termos, usos e costumes da área.
Startup – Inicialmente, era utilizado como sinônimo de negócio nascente. Mas a definição do professor americano Steve Blank vem ganhando mais adeptos. Blank defende que uma startup não é um negócio nascente qualquer, mas uma organização (iniciante) em busca de um modelo de negócio escalável (e replicável). Assim, há negócios nascentes, como uma padaria tradicional, que já tem um modelo de negócio definido, e startups como o Twitter ou o Instagram, que não tinham um modelo demonstrado anteriormente.
Modelo de negócio – Muito confundido com o Canvas (ou tela) do Modelo de Negócio. Mas o modelo de negócio em si é a explicação sobre como a empresa vai ganhar dinheiro. Isso pode ir além do relato sobre como vai gerar receitas e abranger também a maneira como a empresa vai produzir lucro e/ou fluxo líquido de caixa positivo. O modelo de negócio de um restaurante tradicional é ganhar dinheiro com a venda de pratos a la carte. Uma franquia de restaurantes ganha dinheiro com taxas de franquia, royalties, propaganda, serviços e compras pagas pelo franqueado. Mas o modelo de negócio do McDonald’s é, principalmente, imobiliário, pois a rede é proprietária de muitos imóveis onde funcionam as lojas operadas pelos seus franqueados.
Customer development – É um termo apresentado inicialmente pelo professor Steve Blank e que, em sua essência, remete à abordagem AIDA (atenção, interesse, desejo, ação) apresentada pelo publicitário Elmo Lewis em 1898. Customer Development, ou Desenvolvimento do Cliente, é um processo composto de quatro etapas que tem como objetivo fazer com que uma startup se torne uma empresa (mais) sustentável financeiramente. Na primeira etapa, o empreendedor conduz a “descoberta o cliente”. Assim, é preciso entender como o seu produto ou serviço chama a atenção e gera o interesse de potenciais clientes. Depois, vem a “validação do cliente”, em que os interessados demonstram claramente o desejo na compra. Se não houver o desejo, é preciso “pivotar”, retornando à etapa anterior de descoberta do cliente. Se muitos clientes desejarem o produto (ou serviço), entra a etapa de “criação do cliente”, em que a ação da compra é feita, mesmo que informalmente ou em pequena escala. Se a demanda real for atrativa, passa-se para a quarta etapa, que é o “desenvolvimento da empresa”, já que a startup, provavelmente, encontrou um modelo de negócio escalável.
Pivotar – Alterar a oferta (produto, serviço e/ou combinação de ambos), a forma de operar (produção e operações, e/ou inserção da empresa na cadeia de valor), parte ou todo o modelo de negócio. Ray Kroc, empreendedor do McDonald’s, iniciou a expansão da rede com o modelo de negócio tradicional de franquia. Mas, diante da baixa lucratividade, pivotou para o modelo de negócio imobiliário. Muitas startups pivotam até encontrarem o sonhado modelo de negócio escalável.
Escalável – Adjetivo utilizado por dez entre dez investidores. Significa algo que tenha grande potencial de crescimento em número de usuários e, principalmente, clientes pagantes, mas que demande pouco investimento – e, por isso, consiga oferecer alto retorno financeiro. O AirBnB é um modelo de negócio escalável pois permite uma grande oferta de acomodações sem o respectivo investimento na sua construção, manutenção e prestação de serviços de hotelaria.
Canvas (ou tela) do modelo de negócio – É uma ferramenta visual de planejamento para startups elaborada pelo suíço Alexander Osterwalder. Criada a partir da sua tese de doutorado, o Canvas do Modelo de Negócio é composto de nove partes. Na parte central, o empreendedor define a “proposta de valor” da sua startup. Na parte à direita, define as quatro áreas de interação externa: segmentos de clientes, formas de relacionamento com os clientes, canais e fontes de receitas. Na parte à esquerda, define os quatro aspectos operacionais: atividades-chave, recursos-chave, parcerias-chave e principais saídas de caixa (custos, despesas, gastos, tributos). Por ser visual, essa ferramenta facilita a colaboração de outras pessoas e a explicação das premissas assumidas.
Canvas (ou tela) da proposta de valor – É uma nova ferramenta criada por Alexander Osterwalder para planejar especificamente a proposta de valor do Canvas do Modelo de Negócio. Nessa ferramenta, também visual, o empreendedor precisa definir os produtos e serviços de um lado e suas respectivas “tarefas do cliente” do outro. Tarefa do cliente (Customer Job) é um conceito muito sutil elaborado pelo professor Clayton Christensen, da Universidade de Harvard. Segundo ele, um produto resolve problemas e necessidades principais e acessórias do cliente. Nesse contexto, o produto (ou serviço) executa “tarefas” para o cliente que vão além da necessidade principal. Assim, o cliente não compra uma furadeira (produto), mas um quadro pendurado na parede (tarefa). Adicionalmente, também é preciso definir outras “dores” adicionais do cliente ao comprar e consumir o produto – e suas respectivas “soluções” e “ganhos adicionais”.
Lean Startup (Startup Enxuta) – É uma lógica de criação de startups imaginada pelo americano Eric Ries, que integra todas as abordagens mencionadas acima. Segue a mesma abordagem já consagrada pelo ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Action), uma das principais ferramentas da gestão da qualidade. A Lean Startup é um ciclo em que é preciso planejar a ideia de negócio (os dois canvas são úteis nesta etapa), executá-la (via Customer Development), transformá-la em produto (via desenvolvimento Agile), verificar os dados obtidos (medir, analisar as informações) e aprender (tomando as ações) para melhorar o próximo ciclo. Na Lean Startup, o empreendedor precisa aprender a validar (ou não) as premissas que foram planejadas nos canvas e a “iterar”, utilizando o que aprendeu como dados de entrada (input) para o novo ciclo.
Ferramentas ágeis (Agile) – Como as startups devem estar iterando o tempo todo, o desenvolvimento de produtos e da organização em si também estão em constante mudança. Isso impede o uso de ferramentas mais tradicionais de gestão de projetos – onde escopos, prazos, custos e responsáveis devem estar muito claros logo no início dos trabalhos. Por isso, é comum os envolvidos com as startups preferirem o que ficou conhecido como ferramentas ágeis de gestão de projetos – em especial, uma lógica chamada Scrum, que permite mais flexibilidade na definição do escopo, algo imprescindível para uma organização que está em busca de um modelo de negócio escalável (e replicável).
Há vários outros termos, mas estes, pela ordem, são os mais importantes para qualquer um que queira ter mais fluência em startupês, a língua de quem está criando startups ao redor do mundo.
Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).



