A Natura começou distribuindo rosas

17 de novembro de 2014
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Em agosto de 1969, Luiz transformava o seu sonho pessoal em realidade. Tinha vendido seu fusca e, com o dinheiro, reformou uma antiga e pequena borracharia na Rua Oscar Freire, na cidade de São Paulo, onde montou sua primeira e única loja. Ainda conseguiu um imóvel na Vila Mariana, onde estruturou uma pequena fábrica.

Sem muito dinheiro, imprimiu alguns cartões que ficava distribuindo na rua com a mensagem: “Nós pensamos em você. Gostamos do mundo, dos dons da vida, da música, da amizade, do elo que nos une, da mística engrenagem dos momentos. Aprendemos a força do amor. Com amor, muito amor, nós fabricamos beleza. Venha nos conhecer”.

Junto com o cartão, as pessoas também ganhavam uma rosa. Este não era o jeito de pensar do Luiz, era seu jeito de ser. E o seu jeito de ser tinha sido transformado em cada detalhe na sua lojinha e em seus produtos, mesmo que tudo de forma muito humilde e simples.

Lembrei-me da história do (agora) Seu Luiz, quando li o post no Blog do Empreendedor do Estadão PME da Juliana Motter, da Maria Brigadeiro, em que ela explica que uma empresa deve ser mais do que o sonho de alguém, deve ser o seu reflexo. “Quanto mais pessoal, mais único será o negócio” explica.

 

Em um momento em que temos (mais uma vez) uma enxurrada de negócios copiados do exterior (chamados de copycats), vale se inspirar na trajetória do Seu Luiz.

Luiz tinha sido executivo brilhante em uma multinacional norte-americana até ser designado para liderar uma área que iria explorar uma inovação para o Brasil daquela época: a máquina de barbear. Foi estudar o mercado e começou a se interessar pela pele do brasileiro e ficou espantando com algo que todos sabiam, mas ninguém percebia (e poucos ainda se dão conta) de que não há “o brasileiro” típico.

Havia uma incrível mistura de povos, raças, cores. E por esta razão, não havia “a pele típica” do brasileiro. Mas os fabricantes de produtos para a pele teimavam em oferecer fórmulas europeias para os consumidores brasileiros. E curiosamente, também no final da década de 1970, haviam vários copycats brasileiros de fabricantes de cosméticos internacionais, inclusive nos nomes das empresas:  Pierres, Christians, Alexanders e Isabelles que vendiam para brasileiros que iam ao coiffeur e que davam valor a tudo o que era (ou parecia) estrangeiro.

Mas Luiz queria ser mais brasileiro que o brasileiro “médio” da época. Queria fabricar produtos que atendessem à diversidade de pessoas que havia na cidade de São Paulo, com extratos da biodiversidade brasileira na sua lojinha, onde ficava distribuindo cartões com rosas que falavam sobre dons da vida, amizade, mística, amor. E, para complicar, escolheu um nome para a sua empresa que remetia aos hippies da época, que valorizavam a natureza.
Se você estivesse no final da década de 1960, como chamaria um sujeito assim? “Louco” seria uma resposta que muitos concordariam. Mas não precisa pegar a máquina do tempo e viajar tanto assim. Imagine encontrar a Juliana Motter em 2007 e ouvir sua ideia de criar uma loja que só vendesse brigadeiros (algo tão brasileiro que qualquer brasileiro “médio” sabe fazer) em uma lojinha decorada com móveis usados e localizada em uma rua secundária do bairro de Pinheiros. Como a chamaria? Nem precisa responder já que seu pai, mãe e amigos já a chamaram de louca naquela época.

 

Mas hoje, Luiz Seabra, cofundador da Natura Cosméticos e Juliana Motter ainda são os mesmos “loucos”, mas as pessoas os chamam de visionários.

“As pessoas que são loucas por acreditarem que podem mudar o mundo, são aquelas que realmente farão isto” – dizia outro maluco visionário chamado Steve Jobs.

Precisamos de mais brasileiros assim: loucos pelo País e pela sua história.

Marcelo Nakagawa é diretor de empreendedorismo da FIAP, além de atuar como professor de empreendedorismo e inovação nas principais escolas de negócio do país. É membro do conselho da Artemísia Negócios Sociais e da Anjos do Brasil, mentor do Instituto Empreendedor Endeavor, coordenador acadêmico do Movimento Empreenda da Editora Globo, colunista do Estadão PME e da revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Tecnológica e Inovação da USP. Possui mais de 20 anos como executivo, tendo atuado nas indústrias financeira/bancária, consultoria empresarial, venture capital, inovação e private equity. É doutor em Engenharia de Produção (POLI/USP), mestre em Administração e Planejamento (PUC/SP) e graduado em Administração de Empresas. Autor do livro Plano de Negócio: Teoria Geral (Editora Manole, 2011) e co-autor dos livros Engenharia Econômica e Finanças (Elsevier, 2009), Sustentabilidade e Produção: Teoria e Prática para uma Gestão Sustentável (Atlas, 2012) e Empreendedorismo inovador: Como criar startups de tecnologia no Brasil (Evora, 2012).

 

 

 

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